terça-feira, 4 de junho de 2013

     
       Análise e Interpretação do poema
             Viagem sobre o espelho 
               de Cassiano Ricardo



Contexto de produção

O poema foi escrito durante uma época de entraves políticos e sucessivas mudanças de conceitos na arte e literatura, em 1922 em plena semana de arte moderna Cassiano, que havia acabado de fundar a Revista Modernista Novíssima, escreve a obra com versos calmos e reflexivos, expondo suas tendências parnasianas e até mesmo as nacionalistas, quando levamos em consideração que as águas referidas no texto, são as águas do Rio Paraíba do Sul, o qual ele era acostumado a navegar e a banhar-se desde sua infância.
O Texto ia ao encontro da expansão modernista da década de 20, a qual era palco de um desfile de obras nacionalistas neoparnasianas. Os ideais dos poetas e escritores eram claramente elucidados em suas obras de caráter nacionalista, simbólico e intimista. Podendo ser esse poema incluído como um dos grandes poemas de aspecto intimista produzido dentro do contexto modernista, advindo é claro da genialidade de Cassiano Ricardo que sabia muito bem como trabalhar com as palavras, colocando-as da forma mais apropriada possível, arrancando delas o seu melhor sentido e melhor uso.
Após tudo encaminhado para a nova tendência modernista no Brasil, Cassiano, foi brilhante ao conseguir escrever o poema partindo de lembranças antigas de sua mocidade, também deixou transpassar a ansiedade e até mesmo dualidade que o período provocava nos autores.  Todas essas características do seu contexto de produção e brilhantismo de Cassiano tornam o poema Viagem Sobre o Espelho, um marco do modernismo no Brasil, legado de poucos, como o Mestre Cassiano Ricardo Leite.

Análise de elementos formais

O poema Viagem sobre o espelho é formado por versos livres, ou seja, não obedece a nenhuma regra quanto ao metro, à posição das sílabas fortes ou regularidade de rimas. Esse tipo de versos é uma das características do Modernismo, por isso é chamado de verso livre modernista, e tem um ritmo irregular.
Abaixo há o exemplo de partes de uma análise dos aspectos formais do poema, o qual é dividido em sílabas poéticas, com destaque para as sílabas tônicas, em letras maiúsculas. Lembrando que a contagem das sílabas poéticas não se faz da mesma forma que a divisão silábica convencional, pois é possível juntar a vogal final de uma palavra com a inicial de outra numa mesma sílaba, além de que a última sílaba do verso que é contada é, na realidade, a última sílaba tônica. O esquema rítmico (E.R.) também está presente, com a contagem das sílabas e, entre parênteses, a marcação das sílabas poéticas tônicas.

Na | gran | de | TAR | de, | que é | um | AR | (co) – E.R. 8 (4-8)
Ver | ME | (lho) – E.R. 2 (2)
os | CI | la o | BAR | (co) – E.R. 4 (2-4) 
SO | bre o | es | PE | (lho) – E.R.4(1-4)

Nes | se | bar | co | na | VE | ga o | meu | ROS | (to) – E.R. 9 (6-9)
o | meu | ROS | to | de | tri | pu | LAN | (te) – E.R. 8 (3-8)
O | lha o | meu | ROS | to | de | náu | FRA | (go) – E.R. 8 (4-8)
no es | PE | (lho) – E.R. 2 (2)
A | vi | a | gem | é | LON | ga. A | pai | SA | (gem) – E.R. 9 (6-9)
tam | BÉM | os | CI | (la) – E.R. 4 (2-4)
en | tre o | meu | MUN | do em | vi | A | (gem) – E.R. 7 (4-7)
e | a Á | gua | tran | QUI | (la) – E.R. 5 (2-5)
Tu | do é | os | ci | la | ÇÃO | na | TAR | (de) – E.R. 8 (6-8)
A Á | gua | co | mo | que | ba | LAN | (ça) – E.R. 7 (1-7)
em | CA | da | CUR | (va) – E.R. 4 (2-4)
em | tre o | fu | TU | ro | e a | de | MO | (ra) – E.R. 8 (4-8)
De | pois | ca | MI | nha os | ci | LAN | (do) – E.R. 7 (4-7)
en | tre as | du | as | MAR | gens | o | POS | (tas) – E.R. 8 (5-8)
co | mo u | ma | per | GUN | ta: a | té | QUAN | (do?) – E.R. 8 (5-8)
en | tre | DU | as | res | POS | (tas) – E.R. 6 (3-6)
Mas | a os | ci | la | ÇÃO | mais | GRA | (ve) – E.R. 7 (5-7)
é a | da | vi | A | gem | so | bre o | es | PE | (lho) – E.R. 9 (4-9)
Em | que | ca | da um | de | NÓS | na | VE | (ga) – E.R. 8 (6-8)
com | dois | ROS | (tos) – E.R. 3 (3)
Tri | pu | LAN | te | so | bre o | BAR | (co) – E.R. 7 (3-7)
e | NÁU | fra | go | no | MEU | re | FLE | (xo) – E.R. 8 (2-6-8)
sob | a | TAR | de, | em | for | ma | de AR | (co) – E.R. 8 (3-8)
vou eu, | CA | da | vez | mais | per | PLE | (xo) – E.R. 7 (2-7)
O | meu | ROS | to | que | se | de | BRU | (ça) – E.R. 8 (3-8)
vê | o OU | tro, | ca | í | do ao | FUN | (do) – E.R. 7 (2-7)
E | SEN | te, a | tra | vés | do OU | (tro) – E.R. 6 (2-6)
o a | BIS | mo | que aos | meus | pés | car | RE | (go) – E.R. 8 (2-8)
An | TÍ | po | da | de | mim | MES | (mo) – E.R. 7 (2-7)
en | tre | MIM | e | mi | nha | MÁ | (goa) – E.R. 7 (3-7)
le | vo os | DOIS | ros | tos | a ES | (mo) – E.R. 6 (3-6)
um | em | meu | COR | po, ou | tro | N’Á | (gua) – E.R. 7 (4-7)
O | que, | por | FOR | ça, | con | DU | (zo) – E.R. 7 (4-7)
pre | so ao | COR | (po) – E.R. 3 (3)
é o | que | não | nau | FRA | gou a | IN | (da) – E.R. 7 (5-7)
O ou | tro | é o | que | per | DI | pa | ra | SEM | (pre) – E.R. 9 (6-9)
Vi | a | gem | DU | pla, | qua | se | sem | AL | (vo) – E.R. 9 (4-9)
e, | que o | meu | BAR | co | des | LI | (za) – E.R. 7 (4-7)
en | tre o | que | há em | MIM | de | SAL | (vo) – E.R. 7 (5-7)
e o | que | de | sal | va | ÇÃO | pre | CI | (sa) – E.R. 8 (6-8)

Na | gran | de | TAR | de, | que é | um | AR | (co) – E.R. 8 (4-8)
Ver | ME | (lho) – E.R. 2 (2)
os | CI | la o | BAR | (co) – E.R. 4 (2-4) 
SO | bre o | es | PE | (lho) – E.R.4(1-4)

            O poema de Cassiano Ricardo possui 12 estrofes, cada uma com 4 versos, ou seja, cada estrofe é uma quadra, ou quarteto.
            Referente à rima, o esquema utilizado na maioria das estrofes é ABAB, como o exemplo da primeira estrofe:
Na grande tarde, que é um arco (A)
vermelho  (B)
oscila o barco  (A)
sobre o espelho (B)
            O exemplo acima mostra que são rimas cruzadas, pela disposição nos versos, além de serem rimas consoantes, pois apresentam semelhanças de consoantes e vogais. As rimas (A) são também classificadas como pobres, pois arco e barco são da mesma classe gramatical, ou seja, são substantivos. Por outro lado, as rimas (B) são classificadas como ricas, visto que há um adjetivo (vermelho) e um substantivo (espelho).       No poema há também alguns casos de rimas perdidas, que é quando não há rima em determinados versos. 
            Tais aspectos são os principais de uma análise de elementos formais de um poema, porém a análise também pode ser feita em nível mais aprofundado, verificando se há figuras de efeito sonoro, como aliteração, assonância, repetição de palavras, onomatopeia, além da análise de tempos verbais, entre outros aspectos.

Análise

Um lirismo introspectivista e cotidiano, a visão particular que a poesia faz se criar um cosmo pessoal. Caracteriza-o criação particular de uma individualidade, do “eu”, a Poesia é o espelho em que o peta se reflete, mas percebe-se que essa imagem naturalmente verídica não é mais o poeta “ele mesmo”, o entre real, a criatura circunstancial, o reconhecimento de uma “forma incognoscível”, proveniente dessa sondagem no âmago das coisas e do “eu”, cruza uma brisa analítica. Em tal circunstância, representam papel decisivo as metáforas, tropos, que nos fazem ver não só os objetos visíveis, mas até o abstrato, o imaterial.  O poeta encontra-se consigo mesmo e manifesta todos os pontos de sua problemática cultural deste século, uma visão panorâmica e de estabilização, portanto, com todas as qualidades favoráveis a uma parada para a observação do todo.

Interpretação

O poema traz a sensação de uma tarde onde o poeta se inspira a refletir acerca de sua existência. Uma viajem no labirinto dos pensamentos. O reflexo no espelho, e o barco tripulado, são uma metáfora onde o autor olha pra si próprio e reflete sobre a vida. O mar, ou qualquer outra porção de água descrita no poema, é o estado de espírito do Eu-lírico, de calma.
O barco é aflorado nos pensamentos do poeta como um sonho, ele navega pelos sonhos e vê seu rosto refletido no espelho, que é a reflexão e a auto avalição. Nesta auto avaliação o poeta se vê arrependido de alguma coisa que fizera e por isso se sente afundando: náufrago.
A sensação de tarde fagueira, de pensamento fluido, revela bucolidade, e a calma do campo, como se o poema tivesse sido escrito à vista de alguma paisagem bela, por conta da sensação de paz e isolamento. Mais uma vez o autor volta a refletir sobre a sua existência no quarto parágrafo, ele descreve dois rostos, um que é visto por todos, e outro só por ele, este que é a auto avalição, visto pelo no espelho d’água refletido na navegação.
Em outro momento, oitava estrofe, o autor se vê desabando, caindo em um lugar profundo; situação que se intensifica na estrofe seguinte, onde o eu lírico afirma ter duas faces ,por conta do reflexo na água; a face vista no reflexo se perde num abismo: cai.
Por fim o poeta termina por seguir viagem, a deslizar seu barco por entre as águas dos seus pensamentos à busca do náufrago, uma parte dele que está se perdendo; o barco segue rumo ao arco de sol vermelho da bela tarde ensolarada.

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