Canção
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
No ano de mil novecentos e cinquenta e seis, Cecília Meireles
lançou um livro de nome Canções. Um livro de poemas elaborados com alguns
aspectos já absorvidos da influencia modernista.
A tristeza e a melancolia são o tema deste instante poético.
Permeando a dor e as consequências das decisões tomadas ao longo da vida, o
poeta aponta os efeitos causados
por estas à alma. Não é sem dor “a noite se curva de frio” ou sem consequências
“meus olhos secos como pedras / e as minhas duas mãos quebradas” que o eu
poético decide abrir mão de seus sonhos “depois, abri o mar com as mãos, / para
o meu sonho naufragar”
O poeta utiliza-se da alegoria de um navio naufragando para
falar da morte de seus sentimentos ou desejos, da destruição de seus sonhos
“debaixo da água vai morrendo/ meu sonho, dentro de um navio”. Os sonhos
naufragados são sonhos não realizados, indicando que, por certo tempo, o eu
lírico dedicou-se a eles; até preparou-lhes um lugar especial. Mas, ao mesmo
tempo, parece ante ver-lhes o insucesso, como se previsse o naufrágio. E assim
prevendo, antecipando, decide ele mesmo destruí-los, naufragá-los.
A beleza natural causa-lhe perplexidade e contrasta vivamente
com o fizera. Parece um assassino que acabara de matar sua vítima indefesa e
agora contemplava o sangue a escorrer entre seus dedos. O que fizera?
O vento pode ser interpretado como um pressentimento, das
consequências, da dor que está por vir. O vento tanto pode levar embora quanto
trouxer; este parece trazer. O que ele traz? O frio da solidão? A dor futura
companheira? Seja como for, o poeta pressente sua presença e, antecipadamente,
sofre.
O poeta parece ter pressa, por isso, está disposto a fazer o
que for preciso para livrar-se do sentimento, desse sonho, que antes guardara
com tanto desvelo. O que interessa, agora, é afundá-lo completamente, de forma
a sequer haver qualquer sinal de sua presença. A ideia de lágrimas enchendo o
mar para afundar um navio, pode significar a ação voluntária de subverter o
sonho de uma vez por todas e o mais rapidamente possível.
O mundo parece continuar, como se nada houvesse acontecido;
ninguém parece notar o aniquilamento interior do poeta; ele, tampouco, o quer
demonstrar; esconde, finge, interpreta. Aparentemente, tudo está bem e não há
mais lágrimas para chorar. Ou, quem sabe, a tristeza tamanha que agora
carregue, segue-lhe os olhos. Suas mãos, autoras da ação destruidora, estão
agora, elas próprias, destruídas, incapazes de novamente realizar semelhante
ação. Marcas visíveis de seu sofrimento, de sua automutilação.
O tema melancólico do poema sugere a tristeza causada pela perda dos sonhos, mas não para aí. Sugere, também, a determinação em superar essa tristeza. Tristeza essa causada por suas próprias mãos, mostrando ser possível, ainda que não sem dor, extirpar desejos, sonhos ou sentimentos destrutivos antes que sejamos por eles destruídos.
O tema melancólico do poema sugere a tristeza causada pela perda dos sonhos, mas não para aí. Sugere, também, a determinação em superar essa tristeza. Tristeza essa causada por suas próprias mãos, mostrando ser possível, ainda que não sem dor, extirpar desejos, sonhos ou sentimentos destrutivos antes que sejamos por eles destruídos.
O poema integra o livro Canções, de mil novecentos e
cinqüenta e seis, onde a maioria dos textos era composta de versos de cinco
sílabas.
Observando as estrofes, estamos diante de uma composição disposta em quadras num esquema rítmico 6(3-6), conforme os versos abaixo:
Observando as estrofes, estamos diante de uma composição disposta em quadras num esquema rítmico 6(3-6), conforme os versos abaixo:
As – sim – MO – ro em – meu – SO (nho) E.R. 6(3-6)
1 2 3 4 5 6
1 2 3 4 5 6
Co – mo um – PEI – xe – no – MAR E.R. 6(3-6)
1 2 3 4 5 6
1 2 3 4 5 6
Quanto à métrica estamos diante de um hexassílabo
isométrico ou heroico quebrado, constituído de dois anapestos.
Explico: Versos de seis sílabas poéticas, tônicas nas
posições três e seis.
Adiante no poema constataremos variação na acentuação nos
versos cinco, quinze e dezesseis; que será analisado quanto à constituição da
tensão rítmica, um dado importante e raramente considerado.
Como a classificação dada ao metro sugere, entendo que
estamos diante de um ritmo clássico, que proporciona uma apreciação fluente
possibilitando o estabelecimento de tensão rítmica nas variações aplicadas no
poema.
A construção da pauta rítmica é importante neste poema, pois
ele realiza funções sintáticas e semânticas nas anotações variáveis do ritmo, o
que tornará a leitura uma relação de aproximação com a proposta do autor.
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